terça-feira, 24 de setembro de 2013

Travessia "ladeira abaixo" na costa cearense

Nesse fim de semana, fui levar o trimaran Aragem (searunner 34') até Camocim (CE) depois que desistimos de participar da REFENO, pela dificuldade de chegar a Recife a tempo. Comigo, foram o Alex, pescador e marinheiro profissional, companheiro de várias travessias, e dois colegas dele, alunos do curso de Moço de Convés sem qualquer experiência no mar.

Combinamos a saída para depois da meia-noite da sexta-feira porque, apesar de não acreditar em superstições, penso que devemos respeitá-las, e nunca se deve iniciar uma viagem numa sexta-feira. O Alex dormiu no barco e cuidou das providências corriqueiras de limpeza, arrumação e verificação geral. Quando embarquei, já no sábado, levamos os estais volantes até os cunhos de popa para apoiar o mastro pra trás já que a velejada seria todo tempo com muito vento de alheta/popa. A âncora de popa estava enganchada numa rede de pesca que, quando foi desembaraçada, nos deixou com uns 10 carapebas fresquinhos pro almoço.

Partimos às 02:30, apenas com a vela de proa e o barco andando bem, a 6 nós de média. Quando o sol nasceu, subimos o grande e, com tudo em cima e um vento de 15/18 nós soprando de alheta, passamos o dia surfando nas ondas de 1,5/2,0 m, num mar prateado pela lua quase cheia.

Quando anoiteceu, o vento aumentou. Baixamos o grande, demos alguma voltas no enrolador para "rizar" a genoa e começamos um "voo cego" com muita emoção e adrenalina. Sem qualquer referência no mar para orientar o timoneiro o único recurso era a bússola de bordo, para seguir para os waypoints programados. A faixa de navegação possível era de pouco mais de 20 graus. Caso o rumo ultrapassasse esse limite para bombordo, as ondas começavam a pegar o barco de lado e a inclinação ficava preocupante. Se a mudança de rumo fosse pra boreste, a vela aquartelava e era difícil voltar a arma-la corretamente, com risco de uma entortada feia com consequências imprevisíveis.

O mar raso (13/15 metros) e o vento forte faziam as cristas das ondas quebrarem com frequência e era assustador ouvir o chiado da água se aproximando do barco pela popa. Seguir apenas a bússola como referência primária foi difícil. Com o cansaço, o timoneiro muitas vezes meio que "desliga" e quando o barco alerta sobre uma mudança de rumo, passam-se alguns segundos antes que o cérebro entenda a situação, interprete os números da bússola e comande os braços pra fazer os movimentos corretivos necessários e muitas vezes mentalizados "girar a roda pra direita vai levar os números da bússola também pra direita e não devo passar do número 270". É uma situação parecida com aquela quando se olha pra um relógio digital e não se entende direito o que aqueles números significam. Precisa haver um raciocínio, para a compreensão. (eu prefiro canas de leme a rodas de leme e relógios analógicos a relógios digitais)      

Quando a lua nasceu, a situação melhorou um pouco porque o mar se tornou visível. Seguimos nesse ritmo, com o vento sem dar trégua e, lá pelas duas da manhã, manter o barco no novo rumo (levemente mais a bombordo) estava ficando complicado. Jaibeamos a genoa, ainda levemente enrolada, e ligamos o motor, o que ajudou muito no governo do barco. A velocidade se manteve na faixa dos 6/7 nós, propiciada apenas pelo vento, até o sol nascer.

Chegamos na barra de Camocim às 07:30, fizemos uma entrada tranquila e entregamos o Aragem ao dono, para a próxima perna até Luis Correia.

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