terça-feira, 3 de maio de 2011

Barco à vela

Aqui na terra, a vida é aglomeração; lá fora, sobre a água, está a liberdade.
Aqui, o mundo nos acompanha demasiadamente; lá fora estamos sozinhos. Uma milha longe, e nos encontramos num mundo exclusivo para nós.
E que mundo! Um mundo de águas, vento e céu. Um mundo de inesgotável e poética beleza. Um mundo lunático e caprichoso talvez, porém sempre nobre e cavalheiro, às vezes terrível, às vezes bondoso: triste a alguns; alegre a outros. Algumas vezes, deprimente, ameaçador, louco e perigoso, porém sempre dando novamente a face; jogando a partida com cartas descobertas.
Este mundo das águas não se pode encontrar a bordo de uma embarcação a motor; o motor leva consigo parte da costa e da trepidante terra. Um barco a motor ronca como o estridente barulho de uma cidade, vibrando ao compasso de uma época mecanizada. E o que é pior, perde-se a emoção do jogo, como quando se utilizam dados falsos.
Não, o mundo das águas não se pode descobrir com um motor, mas sim com uma vela, pois aquele mundo de águas, céus, ventos e ondas não está somente a nosso redor, senão que forma parte de nós mesmos. Se te combate, também te estimula. És tu o motor, tanto quanto tua própria resistência, a salvaguarda, ao mesmo tempo, de teu inimigo.
Das coisas construídas pelo homem nenhuma é tão atrativa como um barco à vela; é algo vivo, com alma e sentimento próprio, obediente como um cavalo de sela, leal como um cão.
Cada barco à vela tem caráter individual. Nenhum construtor tem logrado fazer duas embarcações exatamente iguais. As medidas podem ser as mesmas; a diferença está no temperamento.
Os veleiros são ajuizados. Demonstram profunda sagacidade nascida do vento e das ondas. E transferem essa sagacidade a um timoneiro atento e cuidadoso.
Sim, são ajuizados, porém, se és mesquinho ou vil, covarde ou descuidado, egoísta, soberbo ou cruel, podes estar seguro de que a embarcação o descobrirá.
Quando em apuros na tempestade ou na adversidade, nenhum barco deixa de fazer o máximo esforço quando lhe pede o seu patrão. Talvez seja um esforço de pobres resultados, por ser um barco velho, podre e com águas como uma cachoeira. Porém, sempre, até que suas desvantagens sejam animadoras, entrará galhardamente na batalha. Ganhará se possível, se não morrerá lutando.
Manejar essa gloriosa criação humana, ser seu dono e seu amigo, internar-se com ela no lindo e caprichoso reino do mar é a mais nobre e compensadora das artes, porque dá mais do que se pode adquirir com dinheiro. Humildade e confiança em si mesmo, valentia e bondade, força e delicadeza. Esse é o seu presente ao navegante.
O canhonaço que anuncia sua vitória quando cruza em primeiro lugar na reta final de uma empenhada regata, soa como música divina.
O doce calor de seu interior, uma milha para dentro do mar frio e gris, é o mais confortável dos lugares.
Mar a fora, quando estamos no nosso ambiente, sozinhos com nosso barco e com as estrelas, as preocupações da vida e da costa se reduzem rapidamente às suas proporções verdadeiras.
O desporte do navegante nunca termina. Tanto desfrutam os velhos como os jovens. Tanto é agradável no inverno como no verão, pois o frio e o calor não opõem barreira alguma aos seus sonhos e aos seus planos.
Nunca se acaba de aprender. Os que viverem mil anos não poderiam conhecê-la como um todo. A arte da navegação à vela é tão antiga como a humanidade e tão nova como os caminhos da lua.

H. A. Calahan

Tradução: Jorge A. E. Vidal

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